O viagra, medicamento utilizado por pessoas com problemas de impotência sexual, tem como base o composto sildenafil, formando a base Revatio, medicamento para hipertensão arterial pulmonar. Agora um novo estudo aponta que a substância também pode ajudar no tratamento da doença de Alzheimer.
A pesquisa, liderada pela Cleveland Clinic e publicada no Journal of Alzheimer’s Disease, analisou a redução de 30% a 54% na incidência do Alzheimer entre pessoas que tomavam sildenafil para disfunção erétil ou hipertensão arterial pulmonar, comparadas a quem não fazia uso do medicamento.
A doença de Alzheimer é o tipo mais conhecido de demência. No Brasil, cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem de alguma forma com a condição e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.
Entre os anos de 2000 e 2019, por exemplo, houve 211.658 óbitos pela doença, sendo 64% do sexo feminino. As mortes relacionadas à doença aumentaram mais de 145% nos últimos anos.
O Alzheimer é uma doença progressiva, que piora com o tempo, causando perda de memória e, em última análise, dificuldades de comunicação ou de resposta adequada ao ambiente em que se encontra.
Neste novo estudo, os autores utilizaram modelos computacionais para analisar os dados de milhões de pacientes em dois bancos de dados médicos: MarketScan Medicare Supplemental e Clinformatics. No caso da primeira, a redução do Alzheimer foi de 54%, na segunda, foi de 30%.
Ao notarem a diferença que o sildenafil causava nos casos, os pesquisadores iniciaram alguns novos estudos. Com o olhar mais aprofundado, notaram que o medicamento reduzia os níveis de proteínas neurotóxicas tau. São essas proteínas que se acumulam no cérebro à medida que o Alzheimer progride.
Ademais, também foi notado que os neurônios expostos ao sildenafil promoveram melhora da função cerebral, crescimento celular e redução da inflamação e dos processos metabólicos associados à degeneração cognitiva que ocorre com o Alzheimer.
Ozama Ismail, PhD e diretor de programas científicos da Associação de Alzheimer, que não estava envolvido no estudo, analisou que houve uma outra pesquisa grande no Reino Unido que sugeria que o sildenafil pode, sim, ser capaz de reduzir a possibilidade de desenvolvimento do Alzheimer, entretanto, “não há provas de que estes medicamentos sejam capazes de tratar totalmente a doença”.
Sobre o atual estudo, Dr. Ismail disse:
“É um estudo observacional baseado em registros eletrônicos de saúde e não pode determinar se a conexão é significativa sem uma exploração mais aprofundada”.
“Mais pesquisas e ensaios clínicos especificamente concebidos são um passo necessário antes de considerar os inibidores da fosfodiesterase tipo 5 para o tratamento da doença de Alzheimer. Esses ensaios precisariam incluir diversos participantes, incluindo mulheres, para determinar conclusivamente se esta classe de medicamentos pode tratar de forma significativa a doença de Alzheimer”, explicou o profissional.
Ademais, Ismail citou uma “limitação importante” desse estudo: o fato da doença de Alzheimer não ter sido diagnosticada “usando testes ‘padrão ouro’, que incluem biomarcadores de imagem e/ou avaliação na autópsia”.
Se de fato o sildenafil for útil para o tratamento do Alzheimer, pode ter a ver com a ativação do fluxo sanguíneo, sugeriu o Dr. A via fosfatidilinositol 3-quinase (PI3K)/Akt é fundamental para muitos processos celulares e tem sido implicada no câncer, portanto, compreender melhor seus mecanismos poderia fornecer mais pistas sobre o que ocorre na doença de Alzheimer.
A identificação do sildenafil é um avanço para o que pode ser possível nas pesquisas computacionais de moléculas valiosas. Dr. Paulvin analisou que tais estudos revelam medicamentos como “gemfibrozil (para controle de colesterol), astaxantina (antioxidante) e minociclina (para tratamento de infecções bacterianas)”.
“Este estudo destaca um novo caminho potencial para o reaproveitamento de medicamentos. A reorientação de tratamentos existentes e já aprovados pode ser uma parte valiosa do desenvolvimento de medicamentos, porque, através de testes já concluídos, sabemos muito sobre a sua segurança e efeitos secundários. Às vezes, isso pode reduzir a duração e o custo dos estudos necessários para a nova indicação”, comentou Dr. Ismail.
Ademais, ele enfatizou que a doença de Alzheimer é “especialmente complexa e multifacetada” e, como resultado, “é provável que sejam necessárias terapias combinadas direcionadas a diferentes mecanismos”.
“Ao considerar a reutilização de um medicamento existente como tratamento para a doença de Alzheimer, no entanto, muitas vezes é importante realizar novos estudos durante períodos de tempo mais longos e em pessoas mais velhas que reflitam a diversidade de indivíduos que vivem com a doença de Alzheimer”, explicou Ismail.
O profissional, então, citou a iniciativa Part The Cloud, da Associação de Alzheimer, que já investiu mais de US$ 68 milhões no apoio a 65 ensaios clínicos, que visam “vários novos aspectos conhecidos e potenciais da doença, incluindo tratamentos novos e reaproveitados para a doença de Alzheimer e outras demências”.
O Dr. observou que o esforço está voltado em diferentes vias de tratamentos, tais como a forma como as respostas imunitárias afetam as alterações cerebrais relacionadas com a doença de Alzheimer, a forma que as células cerebrais utilizam energia e combustível, como removem detritos e como o fornecimento de sangue ao cérebro é mantido.
Já sobre o sildenafil, Dr. Ismail reforçou a necessidade da prescrição médica para uso deste e qualquer outro medicamento (ou suplemento). As pessoas não devem fazer o uso da substância apenas com o intuito de prevenir o Alzheimer ou outras demências.
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