Os medicamentos populares GLP-1, aprovados para perda de peso, diabetes e doenças cardíacas – como o Ozempic e o Wegovy – podem ter potencial para tratar transtornos por uso de substâncias, psicose, infecções, câncer e demência, de acordo com um novo estudo publicado na revista Nature Medicine.
No entanto, a pesquisa aponta para riscos importantes que acabam passando despercebidos, como ameaças ao sistema digestivo que incluíram náuseas e vômitos, dor estomacal, azia e gastroparesia – conhecida também como paralisia do estômago.
Aqueles que tomaram medicamentos GLP-1 apresentaram também uma maior probabilidade de serem diagnosticadas com problemas nos ossos e articulações, como artrite e tendinite, quando comparadas com pessoas tomando outros medicamentos para controlar o açúcar no sangue.
Por outro lado, de 175 diferentes resultados incluídos no estudo, os pesquisadores descobriram que pessoas que tomaram medicamentos GLP-1 tiveram riscos menores em 42 diferentes desfechos de saúde e riscos maiores em 19. Dentre as reduções de risco estão choque, pneumonia por aspiração, insuficiência hepática, insuficiência pulmonar e parada cardíaca.
Embora tenham sido encontrados mais benefícios associados aos medicamentos GLP-1 do que riscos, o autor do estudo, Dr. Ziyad Al-Aly, que é chefe de pesquisa e desenvolvimento do VA St. Louis Health Care System, diz que as pessoas não deveriam interpretar isso como uma liberação incondicional.
“É difícil fazer uma recomendação geral, porque os efeitos colaterais são reais. Acho que as pessoas devem conversar com seus profissionais, médico ou provedor de saúde e fazer sua própria análise individualizada de risco-benefício”, explica o profissional.
Este é o primeiro estudo mais abrangente sobre como os medicamentos podem alterar a saúde geral de uma pessoa e os riscos e benefícios do Ozempic, Wegovy, Mounjaro e remédios semelhantes.
Como a pesquisa foi feita
A equipe liderada por Al-Aly analisou os registros de quase 2 milhões de pessoas com diabetes que foram tratadas pela Administração de Saúde dos Veteranos por uma média de quase quatro anos entre outubro de 2017 e o final de dezembro de 2023.
Foram comparados os dados de cerca de 2160 mil pessoas que receberam prescrição de medicamentos GLP-1 com pessoas que receberam prescrição de três outros tipos de medicamentos para baixar o açúcar no sangue, bem como os que se inscreveram no sistema com diabetes e continuaram tomando os remédios que já haviam sido prescritos sem alterações em sua terapia, ou seja, que não começaram um novo medicamento durante esse período. Ao todo, o estudo utilizou os históricos médicos de 2,4 milhões de pessoas.
Os registros foram usados para construir o que Al-Aly chama de “um atas de associação”, ou uma imagem abrangente dos benefícios e riscos dos medicamentos em todo o corpo.
Outros especialistas afirmam que a pesquisa é útil para analisar os medicamentos em uma escala maior: “É um estudo muito interessante. Este artigo amplia nosso conhecimento atual sobre a eficácia desta classe de medicamentos”, avalia Scott Bursch, diretor de medicina da obesidade na Cleveland Clinic em Ohio.
Os maiores aumentos de riscos foram de náusea e vômito, cálculos renais, doenças do refluxo gastroesofágico ou DRGE, distúrbios do sono e gastroenterite não infecciosa – inflamação do trato digestivo que causa náuseas, vômito, diarreia e cólicas estomacais.
O aumento do risco de cálculos renais foi uma surpresa para a equipe: “Isso pode estar relacionado à possibilidade de que as pessoas, quando estão usando GLP-1, definitivamente comem muito menos para perder peso, mas também se hidratam menos. Talvez essa desidratação crônica leve a um risco aumentado de cálculos renais”, afirmou Al-Aly em uma coletiva de imprensa.
Na parte dos benefícios, a grande parte deles está ligada aos rins, como a redução de doença renal crônica e infecções do trato urinário.
O estudo faz uma série de observações. A primeira delas indica que a maioria dos pacientes cujos registros foram utilizados para o estudo eram idosos, brancos e do sexo masculino. Em média, as pessoas do estudo tinham mais de 65 anos, mais de 70%eram brancas e mais de 92% eram homens, então os resultados da pesquisa podem não se aplicar a outros tipos de usuários de GLP-1.
Todos os voluntários tinham diabetes, então ninguém estava tomando os medicamentos apenas para perda de peso. Embora diabetes e obesidade apresentem riscos parecidos para o corpo, eles não são exatamente iguais, então é difícil saber se isso também influencia nos resultados.
O relatório, por exemplo, descobriu que os usuários de GLP-1 tinham um risco 7% maior de desenvolver gastroparesia, comparados às pessoas que usavam outros tipos de medicamentos para baixar o açúcar no sangue. Ter diabetes também coloca uma pessoa em maior risco de desenvolver gastroparesia, portanto, é difícil saber se os riscos seriam os mesmos para pessoas que não têm a condição.
Pesquisas nesse estilo são importantes para gerar novas questões, como por que um medicamento que ajuda as pessoas a perder peso também estaria associado a um risco aumentado de artrite.
“É quase como um mapa para estudos futuros, mas também me dá confirmação de alguns dos palpites que eu tinha, e talvez isso possa afetar algumas das minhas decisões com pacientes”, avalia Melanie Jay, que estuda o tratamento de prevenção da obesidade na NYU Langone Health e não esteve envolvida na pesquisa.
Relação das melhorias
Ao analisar os resultados, Al-Aly diz acreditar que os medicamentos provavelmente agem por duas vias diferentes: uma relacionada à redução da obesidade e os riscos que a acompanham e a outra relacionada à redução a inflamação. Ele reforça que também pode parecer haver algum efeito no cérebro, que tem receptores GLP-1, e no revestimento dos vasos sanguíneos.
Alguns dos benefícios cerebrais encontrados no estudo estão relacionados a riscos reduzidos de psicose e esquizofrenia. “Fiquei surpreso. Tipo, por que eles funcionariam na esquizofrenia e transtornos psicóticos?”, questionou o autor. Al-Aly ficou ainda mais surpreso quando viu que essa descoberta não surgiu de repente. Alguns estudos anteriores sugeriram que medicamentos GLP-1 reduzem sintomas de esquizofrenia em animais.
Estes medicamentos foram associados a uma redução de 12% no risco de demência e outros transtornos neurocognitivos, como Alzheimer. Al-Aly acha que isso pode ser uma subestimativa, já que, embora o estudo tenha acompanhado um grande número de pessoas, acompanhou dados de apenas quatro anos, então eles poderiam ter visto mais casos de Alzheimer se o estudo tivesse continuado por mais tempo – o que poderia ter se traduzido em um benefício maior.
Outros benefícios ao cérebro foram analisados, como a redução no risco de convulsões e derrames hemorrágicos. Ocorreu a diminuição de transtornos por uso de substâncias, como vícios em opioides, álcool, estimulantes e sedativos.
Melanie Jay admite que esperava ver mais informações sobre transtornos alimentares, já que os medicamentos são conhecidos por desligar os pensamentos intrusivos relacionados a comida e já mostraram uma redução na bulimia, compulsão alimentar com purgação.
Relatos anteriores indicam que medicamentos GLP-1 podem contribuir para a anorexia ao reduzir os sinais de fome em pessoas que desenvolveram uma versão não saudável à comida. “Tive alguns pacientes com bulimia, e não é certo se seria seguro ou não prescrevê-los. Mas o fato de estar associado a uma melhora me faz sentir um pouco mais confortável em prescrever esse medicamento se eles têm bulimia, desde que eu os acompanhe de perto”, avalia ela.
O estudo descobriu que, diferente de outros medicamentos para perda de peso, GLP-1 está associado a um menor risco de ideação suicida, tentativas de suicídio e intenção de autolesão.
Outra ligação surpreendente é relacionado ao risco menor de pneumonia por aspiração em pacientes tomando GLP-1, em comparação com pessoas que não tomavam. “Mas aqui está, e você está olhando para uma população de VA, que geralmente é uma população mais velha e mais doente, e você está vendo, na verdade, riscos potencialmente diminuídos de pneumonia por aspiração”, diz Butsch.
Ainda não está claro como os medicamentos podem estar ligados a esse risco diminuído, portanto, são necessários mais estudos para resultados mais esclarecedores.
Usuários de medicamentos GLP-1 também tinham riscos menores de alguns tipos de infecções, como pneumonia, sepse e infecções bacterianas. Eles também eram menos propensos do que a experimentar alguns topos de distúrbios de coagulação como embolias pulmonares e trombose venosa profunda.
Especialistas ressaltam que, embora os resultados sejam empolgantes, são necessários mais estudos para descobrir, por exemplo, se os medicamentos podem ser utilizados como tratamento contra esquizofrenia. É preciso desvendar vários fatores, como: quanto e com que consistência eles funcionam e como se comparam aos tratamentos já disponíveis.
Já existe, pelo menos, um estudo em andamento que tenta desvendar essas questões. Outras pesquisas testam se medicamentos como Ozempic podem ser úteis no tratamento do abuso de substâncias.