Uma experiência apontou que células envelhecidas da pele podem atuar como se fossem uma espécie de zumbi e, com isso, seriam capazes de enviar coquetéis químicos que “contaminam” outras células, inclusive do cérebro, além de levá-las a passar pelo mesmo processo e envelhecer.
O estudo publicado no periódico científico Aging Cell abordou a hipótese, apontando a complexidade do envelhecimento, mas também mostrou caminhos para amenizar os efeitos. Uma possibilidade, por exemplo, seria desenvolver medicamentos que atrasem ou reduzam a perda de memória e de função muscular.
A pesquisa indicou que as células senescentes (envelhecidas e disfuncionais) da pele podem acelerar o envelhecimento de outras partes do corpo. O estudo também demonstrou a ligação entre a senescência da pele e o declínio cognitivo, sugerindo que há a possibilidade de desenvolver terapias que visem as células senescentes e tratar doenças relacionadas ao envelhecimento.
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Cláudia Cavadas, líder do grupo de investigação de neuroendocrinologia e envelhecimento do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra, em Portugal, e seu grupo realizaram o estudo em parceria com a equipe de João Passos, da Clínica Mayo, nos Estados Unidos. Ela já havia levantado a hipótese em uma pesquisa publicada no ano passado no periódico Trends in Molecular Medicine.
“Vemos só uma parte da pele, sua camada externa, a epiderme, composta basicamente por células mortas e sem núcleo. As células senescentes ficam na derme, na camada interna, onde acontece a conexão com o resto do corpo”, explicou Cavadas.
Os cientistas transplantaram células senescentes da derme (camada profunda da pele), obtidas por meio da exposição à radiação, para camundongos jovens. As células senescentes foram extraídas da orelha dos roedores.
Após o transplante, tecidos próximos e distantes da pele transplantada começaram a demonstrar características típicas de envelhecimento. Ocorreu a diminuição na função muscular e óssea dos camundongos, além de sinais de envelhecimento no cérebro, especialmente no hipocampo, estrutura cerebral associada à memória.
Zumbi
Na sequência, os camundongos transplantados com as células senescentes tiveram um pior desempenho em testes de coordenação e força. Ademais, eles apresentaram declínio cognitivo, como dificuldade em testes de memória espacial, avaliada por meio da realização de exercícios.
A senescência é um mecanismo natural que faz parte do processo normal de envelhecimento. Ela evita que células disfuncionais continuem a se multiplicar e originem tumores, por exemplo.
No entanto, conforme se envelhece, o corpo perde o controle sobre esse processo e as células começam a acumular e produzir substâncias inflamatórias. Ademais, elas podem induzir células jovens a se comportar como se fossem mais velhas.
De acordo com Cavadas, a senescência afeta o corpo todo, porém é mais intensa na pele, por diversos motivos. A pele é mais vulnerável por funcionar como uma barreira do organismo contra vários tipos de agressão, como poluição, radiação solar, fumo, ataques de microrganismos nocivos e substâncias químicas.
Ademais, a pele também é o maior órgão do corpo e está conectada a outros tecidos e órgãos. Entretanto, somente parte dessas conexões é conhecida, apontou Cavadas.
A pesquisa ainda indicou que existem diferentes tipos de células senescentes na pele e elas se comportam como zumbis, perdendo a função original, mas continuando a produzir compostos inflamatórios e agindo como pequenas mortas-vivas que podem contaminar outras e levá-las a esse mesmo destino.
Isso sugere, de acordo com a autora principal, que as células envelhecidas na pele podem influenciar negativamente funções cognitivas e motoras por meio das substâncias que liberam.
“Elas nem precisam estar em contato com os órgãos. Enviam seus sinais à distância através do organismo”, pontuou Cavadas.
Essas células zumbis fabricam um poderoso arsenal de compostos inflamatórios, como as citocinas inflamatórias IL-6 e IL-1a. Além de causar inflamação, as substâncias podem levar a uma resposta imune exagerada, afetando o funcionamento do cérebro e provocando declínio cognitivo.
Elas também produzem proteínas que atuam como fatores de crescimento e remodeladoras de tecidos. Algumas são responsáveis por alterar a estrutura e função de músculos e ossos, podendo, assim, resultar na perda de massa muscular e densidade óssea, características comuns do envelhecimento.
Por fim, elas ainda fabricam proteínas SASP, grupo de proteínas que pode propagar o estado de senescência para outras células.
Cremes contra sinais da velhice e antirrugas
Agora, os pesquisadores investigam se um grupo de drogas conhecidas como senolíticas, desenvolvidas com a finalidade de eliminar células senescentes do organismo, podem reduzir o impacto dessas células em funções cognitivas e corporais.
A aplicação desses compostos, em teoria, poderia ajudar a interromper ou até mesmo reverter os efeitos do envelhecimento, como o declínio cognitivo e a perda de função muscular.
Os medicamentos podem ser aplicados na forma de cremes, mas estes não teriam ligação com os produtos contra rugas e envelhecimento da pele facilmente encontrados nas farmácias atualmente.
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“As rugas são uma disfunção na pele, mas não são a causa de senescência e sim um sinal dela. Cremes contra rugas têm resultado estético, mas em nada atuam contra os processos da senescência”, esclareceu Cavadas.
O próximo passo dos cientistas é fazer uma experiência contrária para descobrir se é possível reduzir a senescência ao invés de aumentá-la. Portanto, as células zumbis e mecanismos que os bloqueiam serão investigados.
“É possível pensar em desacelerar o envelhecimento. Mas antes disso, é preciso se certificar que essas drogas são seguras”, completou a cientista.