Um estudo chamado Protect Brain Health Through Lifestyle Intervention to Reduce Risk (Proteja a saúde do cérebro por meio de intervenções no estilo de vida para reduzir riscos, em tradução livre), ou US POINTER, é destacado como o maior ensaio clínico randomizado dos Estados Unidos feito para investigar se intervenções no estilo de vida podem proteger a função cognitiva em adultos mais velhos.

“Os participantes eram pessoas cognitivamente saudáveis, com idades entre 60 e 79 anos, que, para ingressar no estudo, precisavam ser completamente sedentárias e apresentar risco de demência devido a questões de saúde como pré-diabetes e pressão arterial limítrofe,” explicou a investigadora principal Laura Baker, professora de gerontologia, geriatria e medicina interna na Escola de Medicina da Wake Forest University, em Winston-Salem, Carolina do Norte.
Cerca de metade dos 2.111 voluntários do estudo participou de 38 encontros estruturados em grupo ao longo de dois anos, realizados em bairros locais próximos a Chicago, Houston, Winston-Salem, Sacramento – na Califórnia – e Provence, em Rhode Island.
Em cada sessão, um facilitador treinado orientava sobre como praticar exercícios físicos e manter uma alimentação benéfica para o cérebro, além de explicar a importância da socialização, do uso de jogos de treinamento cerebral e dos fundamentos da saúde cerebral.
Ademais, o líder do grupo acompanhava o registro da pressão arterial e outros sinais vitais dos participantes. Exames físicos e cognitivos com um médico eram realizados a cada seis meses.
Em seis encontros em grupo, a outra metade dos participantes do estudo recebeu informações sobre saúde mental e foi incentivada a escolher mudanças de estilo de vida que melhor se adequassem ás suas rotinas. Esses integrantes eram autoguiados, sem acompanhamento com metas definidas. Esses participantes também passaram por exames físicos e cognitivos a cada seis meses.
Phyllis Jones, 66 anos, é uma das participantes. Aos 62, ela estava traumatizada após a morte da mãe, pelo estresse contínuo da pandemia e por seu ambiente de trabalho estar cada vez mais tóxico. Além disso, ela precisou tirar uma licença médica após um ataque de pânico repentino. Sua depressão piorou até o dia em que seu filho, de 33 anos, disse: “Mãe, eu não achei que teria que ser seu cuidador nesta fase da sua vida”.
“Para mim, aquilo foi um alerta. Foi quando descobri o estudo POINTER e minha vida mudou. O que conquistei durante o estudo foi fenomenal — sou uma nova pessoa”, celebrou, em entrevista á CNN.
O estudo custou US$ 50 milhões e foi financiado pela Associação de Alzheimer. Os resultados foram apresentados na Conferencia Internacional da Associação de Alzheimer de 2025 e publicados na revista Jama.
“Descobrimos que as pessoas no programa estruturado pareceram retardar o envelhecimento cognitivo normal em um a quase dois anos em comparação com o grupo autoguiado — que não recebeu o mesmo nível de apoio. No entanto, o grupo autoguiado também apresentou melhora em seus escores cognitivos ao longo do tempo”, disse Baker.
Rotina
O primeiro desafio dos voluntários foi o exercício. Assim como os outros grupos espalhados pelo país, Jones e sua equipe em Aurora, Illinois, receberam carteirinhas do YMCA e aulas sobre como usar os equipamentos da academia.
Jones foi orientada a praticar exercícios aeróbicos que elevassem sua frequência cardíaca por 30 minutos por dia, além de incluir treinos de força e alongamento várias vezes por semana.
Todos os participantes usavam rastreadores de atividade física que monitoravam seus movimentos. “Depois dos primeiros 10 minutos, eu já estava suando e exausta. Mas fomos devagar, acrescentando 10 minutos de cada vez, e mantínhamos a honestidade uns com os outros. Agora, eu simplesmente adoro malhar”, admitiu a participante.
Depois de quatro semanas, os grupos receberam um novo desafio: adota a dieta MIND (Mediterranean-DASH Intervention for Neurodegenerative Delay), que combina o melhor da dieta mediterrânea com as restrições de sal da dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension).
“Eles nos deram um gráfico de geladeira com os alimentos que devíamos limitar e os que podíamos aproveitar. Tínhamos que comer frutas vermelhas e vegetais quase todos os dias, incluindo folhas verdes — que eram um item separado. E precisávamos consumir duas colheres de sopa de azeite extravirgem todos os dias”, detalhou Jones.
Os alimentos limitados incluíam frituras, carnes processadas, laticínios, queijos e manteiga. Também tinham restrições para doces açucarados. “Mas podíamos comer sobremesa quatro vezes por semana. Isso é maravilhoso, porque você não se priva completamente”, admitiu.
Outro pilar do programa era fazer com que os participantes se familiarizassem com seus sinais vitais, explicou Baker, da Wake Forest. “Se em algum momento perguntássemos: ‘Qual é a sua pressão arterial média?’, eles deveriam ser capazes de nos responde. Também incentivamos as pessoas a monitorar seus níveis de açúcar no sangue”, contou.
Logo mais, veio o treinamento cerebral, por meio de assinaturas de um aplicativo popular de treinamento cognitivo baseado na web. Apesar de alguns cientistas afirmarem que os benefícios desses programas online ainda não foram totalmente comprovados, Jones afirma que gostava da estimulação mental.
O incentivo á socialização também foi uma parte fundamental do programa. Os pesquisadores indicavam tarefas aos grupos, como conversar com desconhecidos ou sair com amigos.
“Encontrei minha melhor amiga, Patty Kelly, na minha equipe. Com 81 anos, ela é mais velha do que eu, mas fazemos todo tipo de coisa juntas — na verdade, ela vai comigo a Toronto quando eu falar na conferência da Associação de Alzheimer. “O isolamento é horrível para o cérebro. Mas, quando você chega ao ponto de se movimentar e se alimentar de forma saudável, seu nível de energia muda, e acho que você automaticamente se torna mais sociável”, recordou.
Conforme o estudo avançava, os pesquisadores passaram a fazer check-ins com os participantes apenas duas vezes por mês e, depois, uma vez por mês, segundo Baker. “Queríamos que as pessoas dissessem: ‘Agora eu sou uma pessoa saudável’, porque, se você acredita nisso, começa a tomar decisões que estão alinhadas com essa nova percepção de si mesmo,” explicou ela.
“No começo, nós pegávamos na mão deles, mas no final, eles estavam voando sozinhos. E essa era justamente a ideia — fazer com que eles aprendessem a voar por conta própria”, acrescentou.
Dados
O estudo gerou uma enorme quantidade de dados que ainda não foi totalmente explorada, já que os pesquisadores acompanharam cada equipe de perto. “Em qualquer dia, eu posso acessar nosso sistema de dados online e ver quanto exercício uma pessoa fez, se ela acessou o treinamento cerebral naquele dia, qual é a sua última pontuação na dieta MIND e se participou da última reunião do grupo”, disse Baker.
A profissional completa: “Também temos dados sobre sono, biomarcadores sanguíneos, exames cerebrais e outras variáveis, que ajudarão a entender melhor quais partes da intervenção foram mais eficazes”.
Baker ressalta a importância de analisar os dados mais profundamente, já que o estudo tem limitações, como a possibilidade de um fenômeno conhecido como efeito de prática. “Mesmo que usemos estímulos diferentes nos testes, o fato de repetir um teste várias vezes faz com que você fique mais familiarizado com a situação — você sabe onde fica a clínica, onde estacionar, fica mais confortável com o examinador,” explicou ela.
“Você não fica realmente mais inteligente, apenas mais relaxado e confortável, e por isso se sai melhor no teste. Então, embora fiquemos muito felizes que ambos os grupos do US POINTER tenham apresentado melhora na cognição global (pensamento, aprendizado e resolução de problemas), precisamos ser cautelosos ao interpretar os resultados”, declarou.
O estudo POINTER não foi desenvolvido para oferecer as intervenções de estilo de vida mais intensivas necessárias para pessoas nos estágios iniciais do Alzheimer, como enfatizou o Dr. Dean Ornish, professor de medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco.
Ornish postou um ensaio clínico em junho de 2024, onde mostrou que uma dieta vegana rigorosa, exercício diário, redução estruturada do estresse e socialização frequente podem, muitas vezes, interromper o declínio ou até melhorar a cognição em pessoas que já estão na fase inicial do Alzheimer, e não apenas naquelas em risco da doença.
“O ensaio clínico randomizado US POINTER é um estudo marcante que demonstra que mudanças moderadas no estilo de vida — dieta, exercícios, socialização e mais — podem melhorar a cognição em pessoas com risco de demência,” disse Ornish, criador da dieta Ornish e do programa de medicina do estilo de vida, e coautor do livro Undo It!: How Simple Lifestyle Changes Can Reverse Most Chronic Diseases.
“Isso complementa os resultados do nosso ensaio clínico randomizado, que demonstrou que mudanças intensivas e múltiplas no estilo de vida frequentemente melhoram a cognição em pessoas já diagnosticadas com Alzheimer em estágio inicial. Mas o estudo US POINTER mostrou que mudanças moderadas no estilo de vida podem ser suficientes para ajudar a prevenir a doença”, completou o especialista.








