“Você ainda vai me deixar de cabelos brancos” ou “isso está me dando cabelos brancos antes da hora” são frases que podem ser ditas em situações de estresse. E são inúmeros os eventos que podem aumentar o estresse: pode ser a proximidade de uma prova ou entrevista de emprego, muitas cobranças familiares, uma carga excessiva de trabalho, brigas no relacionamento ou uma doença como a pandemia do novo cornavírus, por exemplo.
Mas será que a crença popular realmente tem algum fundo de verdade? O aparecimento dos cabelos grisalhos realmente pode ser um efeito colateral do estresse e da ansiedade?
Para nossa sorte, o reumatologista e professor associado de medicina da Escola Médica de Harvard dos Estados Unidos, Robert Shmerling, escreveu a respeito disso na Harvard Health Publishing (Publicação de Saúde de Harvard, tradução livre).
“Tenha em mente que um único fio de cabelo não muda de cor (a não ser que seja tingido). Quando nós vemos alguém ficar grisalho, isso ocorre geralmente porque fios de cabelo com cor (pigmento) caíram e cabelos sem pigmento cresceram no seu lugar. Quando uma quantidade grande o suficiente de cabelos sem pigmentos crescem, a mudança é perceptível e o cabelo parece se tornar grisalho”, explicou professor associado de medicina.
Segundo Shmerling, isso costuma acontecer porque as células que produzem pigmento dentro dos folículos capilares passam a fabricar menos cor ao longo do tempo. O cabelo grisalho tipicamente aparece durante a meia idade, mas os fatores genéticos influenciam o momento exato em que ele vai ocorrer, acrescentou o reumatologista.
No entanto, antes de descartar a ideia de que o estresse pode deixar o cabelo grisalho
Vale a pena saber que um estudo de autoria de pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil sugeriu que existe a possibilidade de que o estresse possa fazer isso e apontou como isso poderia ocorrer, mencionou o professor associado de medicina da Escola Médica de Harvard.
Mas há uma ressalva: conforme Shmerling, a pesquisa, publicada em janeiro de 2020 na revista científica Nature, foi conduzida em ratos – os pelos dos bichinhos ficaram grisalhos poucos dias depois que eles receberam a aplicação de resiniferatoxina, uma substância extremamente picante, bem mais do que as pimentas mais fortes do mundo.
“Se as descobertas se aplicam aos humanos ou não, ainda não se sabe. Mas essa pesquisa fornece uma explicação cientificamente plausível de como isso poderia acontecer”, declarou o reumatologista. Entretanto, como será que pode funcionar esse mecanismo?
De acordo com o professor associado de medicina, o estudo sugeriu que o estresse repentino provocado pela substância extremamente picante nos ratinhos pode provocar esta sequência de eventos:
- Estímulo dos nervos, que fazem com que a glândula adrenal (suprarrenal) aumente a produção e a liberação de norepinefrina, uma parente próxima da epinefrina (adrenalina);
- A norepinefrina faz com que determinadas células nos folículos capilares da pele – conhecidas pelo nome de células-tronco de melanócitos – rapidamente se dividam e se transformem em células produtos de pigmentos;
- O resultado disso é o esgotamento das células-tronco de melanócitos nos folículas capilares, trazendo a perda de pigmento nos fios. Quando uma grande número de fios perdem pigmento, o pelo ganha uma aparência grisalha.
“Se esses eventos também ocorrerem em humanos, essas descobertas podem levar a tratamentos que previnam o cabelo grisalho. De fato, quando os pesquisadores evitaram que as células-tronco de melanócitos se dividissem rapidamente nos ratinhos, os seus pelos não se tornaram grisalhos”, completou Shmerling.
Entretanto, é necessário tomar muito cuidado antes de concluir que o estudo comprova que o estresse deixa o cabelo grisalho porque, segundo o reumatologista, não é bem assim. Inclusive, ele mencionou uma série de razões para ser cauteloso quanto aos resultados da pesquisa e cético quanto à importância desses resultados.
A primeira é que ratos e seres humanos são diferentes – conforme o professor associado de medicina, muitas vezes estudos médicos conduzidos em animais são impossíveis de serem replicados em seres humanos. Ou seja, o fato de algo ocorrer com os ratinhos não significa que acontecerá necessariamente com os seres humanos.
“Existe uma grande diferença entre estresse agudo e de longo prazo (crônico). O estresse agudo experimentado pelos ratos no estudo não é o tipo de estresse crônico em que a maioria das pessoas pensa ao explicar o cabelo grisalho. É claro que não é fácil desenvolver um estudo com ratos que estimule o estresse crônico humano como o congestionamento diário no fraco, um emprego difícil ou problemas de relacionamento”, acrescentou Shmerling.
A terceira razão apresentada pelo reumatologista é que mesmo quando se trata de um estresse agudo, nem todo tipo de estresse agudo é o mesmo. Ele apontou que não está esclarecido se o estresse agudo ao qual os ratos foram submetidos após receberem a aplicação de resiniferatoxina e o pelo grisalho que eles desenvolveram em poucos dias são aplicáveis ao tipo de estresse que os seres humanos enfrentam ou à maneira pela qual os cabelos humanos ficam grisalhos.
“As descobertas desse estudo são intrigantes e potencialmente importantes para explicar mudanças na coloração capilar e progredir o nosso entendimento de como o estresse afeta outras partes do corpo. Essas descobertas me fizeram repensar a ideia de que o cabelo grisalho induzido pelo estresse é o mito. Talvez isso possa acontecer, mas apenas raramente. Ou talvez o estresse seja responsável pela maioria ou todo o cabelo grisalho no mundo. Uma coisa é certa: nós vamos precisar de muita mais pesquisa para saber qual dessas (afirmações) é verdadeira”, ponderou o professor associado de medicina.
Enquanto esperamos mais pesquisas científicas para saber se o estresse realmente pode deixar o cabelo de uma pessoa grisalho, quem perceber esse tipo de mudanças em seus fios tem duas alternativas: aceitar o novo visual ou tingir os cabelos na cor original. Qualquer que seja a escolha, o importante é sentir-se bem. Para sentir-se bem também vale muito a pena conhecer estratégias para amenizar o estresse.