Há muito esquecida, a bactéria Mycobacterium ulcerans, ou úlcera de Buruli, que pode desfigurar o rosto e os membros, ainda é motivo de preocupação. É o caso, por exemplo, da bióloga espanhola Patrícia Casas, 42 anos.
Casas contraiu a bactéria enquanto passava cinco meses nas selvas do Peru. Ela retornou há dez anos e, na época, sentiu uma dor semelhante à queimadura de cigarro em seu braço esquerdo. A sensação ruim deu lugar a uma ferida, que começou a crescer cada dia mais, até se transformar em uma úlcera de 12 centímetros, com uma inflamação que ligava o cotovelo à axila.
Patrícia ficou internada por cerca de um mês e meio, sem diagnóstico. “Ficamos tanto tempo sem saber o que era que apelidei a ferida de Débora”, conta. Enquanto isso, a bactéria devorou o braço da bióloga, e assim permaneceu por quatro anos.
A princípio, os médicos acreditaram se tratar de uma queimadura simples e passaram apenas uma pomada nos locais dos hematomas. Quando a ferida começou a crescer, desconfiaram de uma reação alérgica. Meses depois, veio o real diagnóstico: úlcera de Buruli.
O que é e como acontece o contágio
A úlcera de Buruli está em um grupo de patologias que são devastadoras em regiões tropicais negligenciadas, considerados os mais pobres do mundo. Há cerca de 2 mil notificações anuais da bactéria, em sua maioria, na África Central, mas também já foram detectados casos em outros países, como Peru, México e Austrália.
A transmissão da úlcera de Buruli é um mistério desde que a doença foi descrita em 1948. Patrícia Casas, por exemplo, acredita que tudo começou devido a uma picada de mosquito no braço lesionado.
A teoria pode estar correta: uma equipe de cientistas australianos da região de Melbourne, que sofreu um aumento de infecções desde 2017, analisou mais de 65 mil mosquitos na Península de Mornington, área turística de praias e vinhedos próximo à Melbourne. As pessoas que sofrem da úlcera e os mosquitos portadores da bactéria se sobrepõem às mesmas áreas.
Segundo os estudos, o mosquito carrega a bactéria da falange de cauda anelada, um mamífero marsupial de apenas um quilo que se alimenta das próprias fezes a fim de aproveitar ao máximo os nutrientes das folhas de eucalipto. Por sua vez, o micróbio que causa a úlcera de Buruli também é encontrado nesses excrementos. Portanto, acredita-se que o mosquito carrega a bactéria do marsupial para os humanos.
Mas há controvérsias: o microbiologista Tim Stinear, que chefia o estudo, recordou um estudo ainda maior realizado na África, em uma zona do Benim atingida pela doença, e examinou apenas 4.300 mosquitos sem encontrar nenhum associado à bactéria.
“Um mistério de 80 anos resolvido: os mosquitos espalham a úlcera carnívora de Buruli. Dado que a frequência de mosquitos positivos na Austrália foi de 1%, a ausência de evidências no estudo do Benin não significa evidência de ausência”, diz o profissional.
Tratamento
Se descoberta de maneira precoce, o tratamento requer oito semanas de dois antibióticos: claritromicina e rifampicina.
Mas Patrícia Casas não teve sorte: a bióloga ficou quase dois anos tomando antibióticos. O tratamento de choque causou surdez e danificou seu fígado, deixando uma cicatriz como “se eu tivesse sido mordida por um tubarão”.