Desde o início da pandemia, cientistas têm se dedicado a entender por que os homens enfrentam riscos mais altos de desenvolver casos graves de Covid-19. Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), homens têm 50% mais chances de serem hospitalizados devido à doença. Recentes estudos estão desvendando os motivos por trás dessas estatísticas preocupantes.
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) conduziram uma pesquisa cujos resultados foram publicados na revista Brain, Behavior, and Immunity. O estudo revelou uma correlação entre a gravidade da doença e as alterações nos níveis dos hormônios sexuais masculinos, testosterona e dihidrotestosterona (DHT). Além disso, identificaram uma possível disfunção testicular associada à infecção.
Cristina Ribeiro de Barros Cardoso, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da universidade e uma das responsáveis pelo estudo, explicou que homens com casos graves de Covid-19 apresentaram níveis atípicos de testosterona e DHT. O que chamou a atenção foi a queda drástica nos níveis de testosterona, enquanto o DHT aumentou.
Os pesquisadores sugerem que a diminuição dos níveis de testosterona pode estar relacionada à desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-gônadas após mudanças abruptas na saúde que reduzem os níveis hormonais. Embora as causas precisas dessa relação entre baixa testosterona e gravidade da Covid-19 ainda não sejam totalmente compreendidas, uma possibilidade é a disfunção testicular provocada pelo vírus.
A pesquisa também destacou um aumento no DHT, um hormônio derivado da testosterona. Esse aumento está ligado à ativação dos genes TMPRSS2 e SRD5A1, que facilitam a entrada do vírus nas células, tornando os homens mais vulneráveis.
É importante notar que este estudo foi conduzido antes do início da vacinação no Brasil e envolveu 198 voluntários, de ambos os sexos, com casos leves e graves de Covid-19. Os resultados foram comparados com um grupo de 92 pessoas saudáveis.
Este avanço na compreensão dos mecanismos por trás da suscetibilidade masculina à Covid-19 pode guiar futuras pesquisas e estratégias de tratamento, oferecendo insights valiosos no combate à doença.
Papel dos cromossomos XY
Um estudo conduzido por pesquisadores do Consórcio de Infecções Emergentes e Epidêmicas (EPIC) da Universidade de Toronto, Canadá, e publicado no periódico iScience, revela uma possível razão para a gravidade dos casos de Covid-19 em indivíduos do sexo masculino: os cromossomos XY.
Esta discrepância se deve à presença do cromossomo X, que aparece em duas cópias nas mulheres, mas apenas em uma nos homens. Este cromossomo é responsável pela produção da proteína ACE2, localizada na superfície celular. A ACE2 desempenha um papel fundamental no controle da pressão arterial e na proteção dos órgãos contra danos causados pelo excesso de inflamação.
Durante a infecção por Covid-19, o vírus se liga à célula através da ACE2. Estudos recentes demonstraram que o fato de as mulheres possuírem duas cópias do cromossomo responsável por essa expressão não afeta o curso da doença. No entanto, após a infecção, os pesquisadores observaram uma drástica redução da ACE2 nos homens, enquanto os níveis permaneceram consistentes nas mulheres, graças às duas cópias do cromossomo que produzem essa proteína.
Os cientistas concluíram que uma parcela significativa da ACE2 é consumida pelo coronavírus em indivíduos do sexo masculino. Como resultado, resta menos proteína para desempenhar suas funções diárias, incluindo o controle da inflamação e a prevenção de danos aos órgãos.
Esta descoberta proporciona uma nova perspectiva sobre as razões por trás da gravidade da Covid-19 em diferentes sexos e pode abrir portas para futuras pesquisas visando tratamentos mais específicos e eficazes.