Jejum intermitente e diabetes tipo 2: impacto na regulação dos níveis de açúcar e na resistência à insulina

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A relação entre o jejum intermitente e a diabetes do tipo 2 pode levantar dúvidas, curiosidades e até preocupações. Afinal, como o regime alimentar pode beneficiar ou impactar a vida de quem sofre com a doença?

Para fazer a análise é importante ter em mente, em primeiro lugar, o que é o jejum intermitente: um método que se baseia em se alimentar durante um determinado período de tempo, chamado de janela de alimentação, e jejuar ao longo de outro determinado período de tempo.

Por exemplo, umas das formas de fazer jejum intermitente é comer durante uma janela de oito horas e jejuar pelo restante do dia. No entanto, essa é apenas uma das abordagens e existem outros tipos de jejum intermitente

Além disso, para seguirmos em frente, também é importante que a gente conheça alguns detalhes sobre a diabetes do tipo 2. Na diabetes do tipo 2, as células não respondem como deveriam à insulina, algo que recebe o nome de resistência à insulina.

O hormônio, produzido pelo pâncreas, atua como espécie de chave que permite que o açúcar (glicose) no sangue atinja as células do organismo para ser usado como energia. Entretanto, quando ocorre esse quadro, o pâncreas produz mais insulina para tentar fazer com que as células respondam. 

Até que chega a hora em que o pâncreas não consegue mais acompanhar e os níveis de açúcar no sangue aumentam, criando o cenário da pré-diabetes e da diabetes do tipo 2.

A relação entre o jejum intermitente e a diabetes do tipo 2

Diabetes
O grande problema da diabetes tipo 2 é a resistência à insulina

Um conselho que o paciente com diabetes do tipo 2 pode receber dos médicos é o de perder peso, o que pode ter efeitos benéficos na glicose sanguínea, na sensibilidade à insulina e na progressão da doença.

Como um dos principais benefícios atribuídos ao jejum intermitente é o emagrecimento, alguns podem citá-lo como uma alternativa para os diabéticos do tipo 2. Mas, a discussão vai além.

Segundo o diretor de epidemiologia genética e cardiovascular da Intermountain Healthcare, em Utah, nos Estados Unidos, Benjamin Horne, disse ao Time, as pessoas com diabetes devem ser aquelas que mais se beneficiam do jejum intermitente.

Ao mesmo tempo, essas dietas também apresentam alguns dos maiores problemas de segurança em potencial, por conta dos medicamentos que as pessoas com diabetes geralmente usam, alertou Horne, que foi coautor de diversos papers sobre os efeitos do jejum intermitente nas pessoas com diabetes.

O que dizem os estudos

Em dezembro de 2022, a Endocrine Society (Sociedade Endócrina, tradução livre) anunciou que um estudo publicado no seu periódico científico, o Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, apontou que após passarem por uma intervenção com dieta intermitente, alguns pacientes alcançaram a remissão completa da diabetes.

Essa remissão completa da doença é definida como apresentar um nível de HbA1c (hemoglobina glicada) de menos de 6,5% no mínimo um ano depois de interromper o uso do medicamento para diabetes.

Durante o estudo, os pesquisadores conduziram uma intervenção de três meses com a dieta do jejum intermitente em 36 pacientes com diabetes. A partir disso, eles identificaram que quase 90% dos pacientes, incluindo aqueles que usavam substâncias para diminuir o açúcar no sangue e insulina, reduziram a ingestão de remédios para diabetes depois de aderirem ao jejum intermitente.

Além disso, 55% dessas pessoas experimentaram a remissão da diabetes, descontinuaram o uso da medicação para diabetes e mantiveram isso por no mínimo um ano.

Antes disso, um estudo de 2017 que saiu no World Journal of Diabetes apontou que duas semanas de jejum intermitente levaram a uma perda de peso de mais de cerca de 1,35 kg, em média, assim como a melhorias nos níveis de glicose.

Para a coautora do estudo e professora da Faculdade de Farmácia e Nutrição da Universidade de Saskatchewan, no Canadá, Kerry Mansell, é possível que o jejum intermitente levaria a uma redução da resistência à insulina.

O jejum intermitente na prevenção da diabetes tipo 2

Em outro estudo, pesquisadores da Universidade de Adelaide, na Austrália, e do Instituto de Pesquisa Médica e Saúde do Sul da Austrália (SAHMRI, sigla em inglês) compararam duas dietas: uma dieta de jejum intermitente com restrição de tempo e uma dieta de redução de calorias para ver qual delas era mais benéfica para pessoas propensas a desenvolver diabetes do tipo 2.

Segundo a autora sênior do estudo e professora da Escola Médica de Adelaide da Universidade de Adelaide, Leonie Heilbronn, seguir uma dieta de jejum intermitente com restrição de tempo poderia ajudar a diminuir as chances de desenvolver a diabetes do tipo 2.

Ela explicou que as pessoas que jejuaram três dias por semana, comendo apenas entre 8h e 12h (meio-dia) nesses dias, apresentaram uma maior tolerância à glicose depois de seis meses do que aqueles que seguiam uma dieta de baixa caloria diariamente.

Além disso, os pacientes que seguirem a dieta do jejum intermitente demonstraram ser mais sensíveis à insulina e também experimentaram uma maior redução dos lipídios sanguíneos do que aqueles que adotaram a dieta de baixa caloria, completou.

Já a perda de peso foi considerada similar entre os participantes que seguiram a dieta de jejum intermitente com restrição de tempo e os que fizeram a dieta de baixa calorias.

A primeira autora da pesquisa e estudante de PhD da Universidade de Adelaide, Xiao Tong Teong, apontou que, até então, esse foi o maior estudo no mundo e o primeiro desenvolvido para avaliar como o corpo processa e usa a glicose após uma refeição, que segundo ela, é um melhor indicador do risco de diabetes do que um exame em jejum.

No entanto, mais pesquisas são necessárias para analisar se os mesmos benefícios surgem quando há uma janela de alimentação um pouco mais longa no jejum intermitente, o que poderia tornar a dieta mais sustentável a longo prazo.

Riscos e cuidados

Com base no seu trabalho e no trabalho de outras pessoas, o diretor de epidemiologia genética e cardiovascular da Intermountain Healthcare, em Utah, nos Estados Unidos, Benjamin Horne, apontou que para a maioria das pessoas com diabetes do tipo 2, especialmente aquelas que não tomam remédios para controlar o açúcar no sangue, as pesquisas indicam que o jejum intermitente é seguro e provavelmente benéfico.

No entanto, o jejum intermitente não é a escolha certa para todas as pessoas, assim como não é uma abordagem 100% livre de riscos. Um dos problemas tem a ver com a hipoglicemia, também chamada de baixos níveis de açúcar no sangue.

A hipoglicemia pode provocar batimento cardíaco acelerado, transpiração, tremor, entre outros sintomas. Se for severa, a condição pode levar à fraqueza, convulsões ou até mesmo à morte.

As pessoas com diabetes do tipo 2 correm um risco maior de ter hipoglicemia, particularmente se elas passam longos períodos sem comer. Esse foi justamente um dos primeiros perigos que os especialistas consideraram ao analisar a segurança do jejum intermitente.

Horne advertiu que tomar medicamentos voltados para reduzir a quantidade de glicose no sangue junto do ato de jejuar pode causar uma hipoglicemia potencialmente fatal. “Isso não é um risco pequeno”, ele enfatizou ao Time.

Em um estudo de 2018, publicado no jornal Diabetic Medicine, pesquisadores da Nova Zelândia identificaram que a incidência de hipoglicemia aumentou em pessoas com diabetes do tipo 2 que adotaram o jejum intermitente.

No entanto, esse aumento estava alinhado com os estudos de outras dietas de perda de peso, inclusive as abordagens convencionais de menor consumo diário de calorias.

Adicionalmente, todas as pessoas no estudo tomavam remédios para reduzir o açúcar no sangue. Além disso, o autor do estudo, Brian Corley, acredita que foram os medicamentos, em vez da dieta em si, que causaram a hipoglicemia.

Para Corley, as pessoas que tomam esses remédios poderiam reduzir os riscos de sofrer quedas perigosas nos níveis de açúcar no sangue ao serem acompanhado de perto por um médico, monitorarem a sua taxa de açúcar no sangue mais cuidadosamente nos dias de jejum e aprender como controlar um episódio de hipoglicemia.

A ideia aqui é que o jejum intermitente não está necessariamente fora de questão para esses pacientes, no entanto, a abordagem exige um cuidado extra. Até porque o estudo de Corley também apontou que o jejum intermitente auxiliou a perda de peso e melhorou medidas de açúcar no sangue em jejum, hemoglobina A1C (hemoglobina glicada) e a qualidade de vida no geral.

Assim como Corley, Horne apontou que as pessoas que tomam remédios para o açúcar no sangue poderiam testar o jejum intermitente, desde que sejam acompanhados de um especialista.

Para ele, a questão não é tanto se eles deveriam ou não fazer jejum intermitente. É mais a respeito do grau de monitoramento que eles deveriam receber. Mas, isso não se aplica aos pacientes com diabetes do tipo 1, para esse grupo, o jejum intermitente é muito arriscado, advertiu Horne.

Já para os pacientes que não tomam remédios para diminuir o açúcar no sangue, o risco de hipoglicemia parece ser muito baixo, apontou Horne. Mas, mesmo nesse caso, as pessoas devem consultar profissionais de saúde especializados no tratamento da diabetes, como um endocrinologista e um nutricionista.

Jejum intermitente
Tome bastante cuidado com os riscos de hipoglicemia durante as janelas de jejum

Desidratação e outras preocupações

Um segundo receio em relação ao jejum intermitente para pessoas com diabetes do tipo 2 é desidratação. O alto açúcar no sangue causa uma desidratação geral no organismo e pessoas com diabetes do tipo 2 já correm um risco elevado de sofrer com isso.

O jejum intermitente pode aumentar esse risco se as pessoas beberem ou comerem menos do que o normal. Isso porque os alimentos também contêm água e podem fornecer ⅓ ou mais da quantidade de água que as pessoas ingerem diariamente.

Segundo Horne, a desidratação pode levar a uma série de consequências negativas para os diabéticos. Enxaqueca, dano renal e acidente vascular cerebral (AVC) são problemas potenciais, principalmente se o paciente tiver outras condições de saúde relacionadas a esses riscos.

“Então, se alguém já tem um problemas no rins, e muitas vezes pessoas com diabetes têm algum tipo de problema renal, se não uma doença renal completa, a desidratação pode causar danos”, esclareceu Horne.

Beber água ou outros líquidos sem calorias durante o jejum até pode reduzir esses riscos, mas ainda assim, as dietas com jejum não são indicadas para pessoas que têm diabetes do tipo 2 junto de outros problemas crônicos, como doença cardíaca ou doença renal.

O mesmo se aplica às pessoas debilitadas e mais velhas com diabetes. De acordo com Horne, o jejum coloca estresse sobre o corpo e seus órgãos. Assim, para quem está fraco ou debilitado, não é uma boa ideia ficar sem comer.

Há ainda outras preocupações associadas ao jejum intermitente que não têm relação específica com a diabetes do tipo 2. A lista inclui: deficiência nutricional, ingestão inadequada de proteínas, especialmente se a pessoa for mais velha, e desnutrição.

Além disso, questiona-se a segurança do jejum intermitente para gestantes, mulheres que amamentam e crianças, ou seja, grupos com necessidades nutricionais diferentes da população geral. Para os especialistas, esses não deveriam jejuar até que os riscos e benefícios da prática para ele sejam melhor entendidos.

Portanto, a lição que fica para qualquer pessoa, independente de ter diabetes, ter outros problemas de saúde, fazer parte dos grupos acima ou não ter qualquer pendência de saúde, é a de consultar o médico antes de fazer jejum intermitente e ter acompanhamento especializado enquanto segue o método.

Fontes e referências adicionais

Você sabia que existe uma relação entre o jejum intermitente e diabetes tipo 2? Pretende adotar na sua rotina para ajudar no tratamento? Comente abaixo!

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Sobre Dra. Esther Costa

Esther Costa é nutricionista - CRN-8 13209/P. Graduada em nutrição pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), atua na nutrição clínica com ênfase na nutrição funcional, buscando avaliar o indivíduo em sua totalidade. Está sempre em busca do aperfeiçoamento por meio de cursos e congressos na área. É curiosa, criativa e proativa, e faz parte da equipe de especialistas do MundoBoaForma.

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