Transplante de fezes: por que e como é feito e para que serve

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Já foi o tempo em que as bactérias eram vistas apenas como vilãs da nossa saúde. Hoje, o avanço no conhecimento científico revelou o grande potencial terapêutico das bactérias. O transplante de fezes é a transferência das fezes de um doador saudável para o trato intestinal de uma outra pessoa, como forma de tratamento.

O objetivo desse transplante é mudar a composição da microbiota da pessoa em tratamento, ao receber as bactérias boas do doador. Isso é benéfico para casos em que o uso de antibióticos foi tão frequente, que acabou matando muitas bactérias boas, deixando que as ruins se multiplicassem demais.  

Assim, o transplante de fezes é o tratamento escolhido para casos de inflamação recorrente no intestino grosso pela bactéria Clostridium difficile, ou seja, casos que foram tratados várias vezes com antibióticos e, mesmo assim, o problema retornou. 

O transplante de fezes também pode ser usado para tratar outras doenças inflamatórias do intestino, como:

  • Doença de Crohn
  • Retocolite ulcerativa
  • Obesidade
  • Síndrome metabólica
  • Síndrome do intestino irritável (SII).

Veja por que e como é feito o transplante de fezes, e para que serve.

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Por que transplantar fezes?

Microbiota

A microbiota é formada por todas as bactérias que temos no corpo e elas podem estabelecer relações benéficas ou causar doenças. No total, existem em torno de 100 trilhões de bactérias vivendo em nosso corpo e a maioria delas está no intestino.

Mas, o que é mais interessante não é a quantidade de bactérias que nós temos, e sim a diversidade de espécies, que varia de acordo com o sexo, a etnia, a idade e a dieta das pessoas. 

Aqui está o segredo do transplante de fezes, estudos mostraram que as fezes de uma pessoa saudável podem tratar doenças que precisam de bactérias boas e que estão ausentes, ou em pequena quantidade, no intestino da pessoa doente. 

Para isso, uma solução feita com as fezes de um doador é transplantada no trato intestinal de um receptor, onde as bactérias boas vão colonizar e se multiplicar, reduzindo as bactérias ruins. 

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Como é feito um transplante de fezes? 

O processo começa com a seleção de um doador, que segue uma lista de critérios, em que não pode:

  • Apresentar histórico familiar de doenças autoimunes, metabólicas e câncer
  • Apresentar bactérias, vírus e parasitas patogênicos nos exames de sangue e de fezes
  • Ter recebido tratamento com antibióticos nos últimos 6 meses
  • Ter o sistema imunológico deprimido (fraco)
  • Apresentar histórico de uso de drogas
  • Ter comportamento sexual de risco
  • Ter viajado recentemente para regiões endêmicas
  • Ter qualquer tipo de doença intestinal crônica.

As fezes do doador são tratadas em laboratório e transplantadas por colonoscopia, com sedação. As fezes também podem ser transplantadas por sonda nasoduodenal, mas é menos comum. 

Antes do procedimento, o tratamento com antibióticos é suspenso, e o paciente faz uma dieta líquida, com o uso de laxantes. 

Para que serve o transplante de fezes? 

O transplante de fezes é uma opção de tratamento para colite pseudomembranosa, doença caracterizada por febre, dor abdominal e diarreia. 

Desde 2013, o transplante de fezes não é indicado para tratar outras doenças além da colite pseudomembranosa, isso porque o método é novo e ainda está em estudo para outras doenças.

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Sua aplicação em qualquer outro problema de saúde é considerada experimental e é avaliada com muito cuidado pela equipe médica e de pesquisa. 

Colite pseudomembranosa

O tratamento padrão da colite pseudomembranosa é feito com antibióticos específicos para a bactéria Clostridium difficile. Mas, a infecção volta em cerca de 30% dos pacientes, caracterizando a colite pseudomembranosa recorrente, que é grave e pode ser fatal. 

Nesses casos, o transplante de fezes é altamente indicado. A taxa de sucesso do transplante de fezes é bem alta, 87-90% dos pacientes com colite pseudomembranosa respondem bem ao tratamento.

A origem da colite pseudomembranosa tem sido associada ao uso de antibióticos, que levam à disbiose intestinal, um desequilíbrio entre a quantidade de bactérias boas e ruins, fornecendo um ambiente perfeito para a bactéria Clostridium difficile se proliferar e causar a doença. 

O transplante de fezes restaura a comunidade de bactérias boas do intestino, que competem com as bactérias ruins pelos recursos, ajudando a restabelecer o equilíbrio que leva à cura da doença. 

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Dor na barriga

Doença inflamatória intestinal

Doenças que causam inflamação no intestino, como Doença de Crohn e a retocolite ulcerativa, apresentam períodos ativos, com manifestação de sintomas típicos: diarreia, náusea, febre e dor abdominal, e períodos silenciosos. A disbiose intestinal é uma das causas desse tipo de doença. 

A microbiota de pessoas com doença inflamatória intestinal é repleta de bactérias que promovem inflamação, pela liberação de radicais livres e toxinas. Por causa disso, o transplante de fezes pareceu uma boa alternativa de tratamento aos olhos dos pesquisadores. 

Apesar do transplante de fezes não ter causado sérios efeitos adversos nos pacientes com doença de Crohn e retocolite ulcerativa, o tratamento não foi tão eficaz como é nos casos de colite pseudomembranosa. Há registros de pacientes que pioraram após o transplante de fezes, manifestando sintomas como febre, distensão abdominal, vômito e diarreia. 

Por isso, apesar do transplante de fezes ser uma boa alternativa para o tratamento dessas doenças, principalmente dos casos graves e que não respondem aos tratamentos comuns, a decisão pelo transplante é, antes, analisada com muito cuidado pela equipe médica. 

Obesidade e síndrome metabólica

A obesidade é um distúrbio que envolve excesso de gordura corporal, e a síndrome metabólica é uma condição de saúde que envolve o acúmulo de gordura visceral, hipertensão, colesterol alto e hiperglicemia, que aumentam os riscos de uma pessoa desenvolver doenças cardiovasculares e diabetes. 

Estudos apontam que a microbiota intestinal pode estar envolvida com o desenvolvimento da obesidade, pois a microbiota de indivíduos magros é diferente de obesos. Nos obesos, as bactérias extraem mais energia, o que aumenta a predisposição à obesidade, pois faz com que a pessoa coma mais e sinta menos saciedade, dificultando o emagrecimento. 

São necessários mais estudos para comprovar a eficácia do transplante de fezes para tratar casos de obesidade e síndrome metabólica mas, ao que tudo indica, esse tratamento é eficiente para melhorar a sensibilidade à insulina e aumentar a diversidade de bactérias boas. 

É claro que as pessoas que fizerem esse tipo de tratamento para emagrecer deverão fazer mudanças na dieta, pois é através dela que nós alimentamos as bactérias boas, para que se multipliquem e não deixem as bactérias ruins dominarem o intestino. 

Síndrome do intestino irritável

A síndrome do intestino irritável é um tipo de distúrbio gastrointestinal sem uma causa identificável, ou seja, os sintomas de dor abdominal, inchaço, diarreia e constipação estão presentes, mas os médicos não conseguem identificar a causa desses problemas. 

Há indícios de que a microbiota intestinal (ou flora intestinal) tenha alguma relação com os mecanismos da síndrome do intestino irritável e, por isso, alguns casos foram tratados experimentalmente com o transplante de fezes. A maioria apresentou bons resultados, com uma significativa redução dos principais sintomas. 

Mas, assim como nas outras doenças, mais estudos são necessários para confirmar a eficácia do tratamento e se for o caso, padronizá-lo como uma opção terapêutica, como é feito com a colite pseudomembranosa recorrente.

sindrome do intestino irritável

Conclusão

Apesar dos grandes benefícios do tratamento com o transplante de fezes, ainda existe muita preocupação com relação à segurança do procedimento e com os riscos de infecções. 

Por isso, além da grande quantidade de estudos que estão sendo feitos para avaliar a segurança do tratamento, muitos pesquisadores estão se dedicando a fazer “fezes sintéticas”, que geram os mesmos benefícios do transplante de fezes, com menores riscos.  

Fontes e referências adicionais

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Sobre Dr. Lucio Pacheco

Dr. Lucio Pacheco é Cirurgião do aparelho digestivo, Cirurgião geral - CRM 597798 RJ/ CBCD. Formou-se em Medicina pela UFRJ em 1994. Em 1996 fez um curso de aperfeiçoamento em transplantes no Hospital Paul Brousse, da Universidade de Paris-Sud, um dos mais especializados na Europa. Concluiu o mestrado em Medicina (Cirurgia Geral) em 2000 e o Doutorado em Medicina (Clinica Médica) pela UFRJ em 2010. Dr. Lucio Pacheco é autor de diversos livros e artigos sobre transplante de fígado. Atualmente é médico-cirurgião, chefe da equipe de transplante hepático do Hospital Copa Star, Hospital Quinta D'Or e do Hospital Copa D'Or. Além disso é diretor médico do Instituto de Transplantes. Suas áreas de atuação principais são: cirurgia geral, oncologia cirúrgica, hepatologia, e transplante de fígado. Para mais informações, entre em contato.

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